Morrer é Um Ato de Coragem
Desde pequeno, sempre tive medo de perder as pessoas que eu amo. Lembro de uma noite, ainda criança, em que chorei só por imaginar que minha família iria morrer um dia. É curioso e eu fico pensando… será que um dia meus filhos vão sentir o mesmo por mim? Será que também vão ter esse aperto no peito, essa consciência tão crua da finitude?
O tempo passou, e em 2023, algo me marcou profundamente: perdi minha avó. Ela me criou — foi como uma segunda mãe, uma das presenças mais fortes e importantes da minha vida. Num dia comum, uma terça-feira como qualquer outra, veio a notícia: câncer. E, em questão de três meses, ela se foi. Rápido demais. Doloroso demais.
Desde então, carrego comigo uma sombra — um trauma talvez — com essa ideia de fim. Ter medo da morte, ter medo que as pessoas importantes pra mim se vão, é assustador.
E não ajuda que hoje, navegando distraidamente pela internet, eu me depare o tempo todo com pequenas tragédias cotidianas. Reportagens que surgem na tela, notícias da minha cidade, relatos tristes de gente que perde família, namorados, amigos. Tanta dor, tão perto. Saber dessas coisas, de certa forma, só alimenta mais o medo.
É estranho. Porque, no fundo, sempre senti que “nunca é comigo”. Como se eu, sendo o protagonista da minha própria vida, estivesse imune. As pessoas morrem — mas eu não queria lidar com a ideia de morrer aleatoriamente, no meio de um dia qualquer, sem aviso. Só que, lá no fundo, eu sei que a brevidade da vida pode cruzar nosso caminho a qualquer momento. E é muito mais fácil do que a gente imagina.
Você pode estar vivendo o auge da sua vida e, de repente, um diagnóstico sem cura aparece. Você pode ser cuidadoso, atravessar a rua olhando pros dois lados, mas ainda assim um carro invade a calçada. Você pode ter saúde, juventude, planos, sonhos, e ainda assim um mal-súbito pode te levar embora.
Com o tempo, comecei a me perguntar: do que eu tenho tanto medo? Se o fim é o mesmo para todos nós, se é inevitável, de onde nasce essa angústia, esse horror à partida?
A resposta que eu mais encontro dentro de mim é que eu tenho medo de partir sem ter aproveitado direito. Sem ter realizado tudo aquilo que sonhei. Sem ter sido inteiro no pouco tempo que me foi dado.
Saber que isso pode simplesmente acontecer comigo, ou com qualquer pessoa próxima de mim, assusta. A verdade é que a gente não quer perder. Queremos que tudo dure muito, queremos acreditar que, com a gente, vai ser diferente — vai ser pra sempre. E tudo bem querer isso. É humano, nenhum de nós deseja, nem por um segundo, imaginar a partida de quem é importante.
O tempo que sobra quando a vida passa.
Esses dias, andando pelas ruas da minha cidade, vi um senhor de idade caminhando com muletas. Os passos eram lentos, quase tropeços, e o sol batia forte no rosto dele, forçando os olhos a se fecharem como quem tenta enxergar a vida mesmo quando ela já não se mostra tão nítida.
Fiquei parado, observando. E pensei: será que eu quero chegar até aí? Viver tanto?
É estranho... tenho medo da morte, não quero morrer. Mas, ao mesmo tempo, quando vejo alguém com 80 anos, andando com dificuldade, cansado, me pergunto se é isso que significa “viver muito”. E se é isso que eu quero sofrer viver.
E logo depois, me pego pensando: mas e se ele estiver em paz? E se ele tiver filhos, netos, quem sabe bisnetos? Um café sempre esperando por ele à tarde? Uma janela preferida da casa? Talvez ele saiba coisas que eu ainda nem sonhei. Talvez ele veja beleza no que, pra mim, ainda parece só o peso do tempo.
Um dia, sua mãe vai te chamar pela última vez — e você nem vai saber que era a última.
E aí, comecei a pensar… por que a gente teme tanto a morte?
Nós tememos a morte porque ela é o grande desconhecido. Nós nunca morremos antes, não sabemos como é, e o ser humano teme o que não conhece. Além disso, ela marca o fim da consciência, e é muito difícil para a nossa mente imaginar o próprio “não existir”. Quando você tenta pensar no vazio absoluto, acaba pensando “com consciência” — o que é um paradoxo. Esse abismo entre o que conseguimos conceber e o que a morte realmente é nos dá medo.
Outra razão vem de algo que Sartre chamaria de angústia existencial: o fato de saber que somos finitos nos coloca diante do peso das escolhas. Como o tempo acaba, cada ato importa. O medo da morte não é só medo do fim — é medo de não ter vivido o suficiente, de ter deixado passar, de ter sido menos do que poderia. É o medo de ter sido inacabado.
Nós tememos a morte porque ela nos separa de tudo que amamos: pessoas, lugares, memórias, histórias. Não queremos morrer não apenas porque tememos o fim, mas porque não queremos deixar para trás aquilo que nos dá sentido.
Rainer Maria Rilke — Cartas a um Jovem Poeta
“A morte não é o oposto da vida, mas uma parte dela. A morte não é um evento que chega no final, mas algo que nos acompanha desde o princípio. Quando olhamos bem, vemos que ela está presente em tudo: no cair das folhas, no fim de um olhar, no silêncio depois das palavras.”
A hora da morte é incerta, mas a morte, é certa!
Um trecho que eu gosto, da série The Midnight Gospel que fala sobre a morte:
"Se compreendêssemos verdadeiramente a natureza efêmera da vida, teríamos menos arrependimentos por desperdiçar nosso tempo — ou o tempo dos outros. Pessoas com doenças terminais às vezes dizem que se sentem estranhamente gratas, porque nunca se sentiram tão vivas. É como se a consciência da morte as tornasse mais presentes na vida."
Como superar esse medo?
A verdade é que a gente não supera totalmente. Não dá pra simplesmente apagar esse medo, fingir que ele não existe ou varrer pra debaixo do tapete. Ele vai estar lá, quieto, escondido em algum canto da mente. Mas o que dá pra fazer é mudar a forma como a gente olha pra ele.
O medo da morte pode ser o que te paralisa — ou pode ser o que te desperta. Ele te lembra que você não tem tempo pra desperdiçar com coisas vazias, com conversas rasas, com pessoas que te diminuem, com sonhos adiados. Ele te ensina que o valor da vida mora nos detalhes: no jeito como alguém diz seu nome com carinho, no cheiro do livro velho que você ama, no silêncio confortável de estar com quem te entende.
A gente não dá valor à vida fugindo da morte. A gente dá valor à vida quando aceita que ela é frágil, que ela é breve, e justamente por isso… é preciosa. Quando entende que tudo pode acabar amanhã, você não vive desesperado — você vive atento. Você vive presente. Você vive de verdade.
Não é sobre viver tentando ser imortal, nem sobre realizar cada meta da sua lista. É sobre estar inteiro no momento. Sobre olhar para quem você ama agora e perceber que só esse instante já é um milagre. Sobre não guardar tudo para depois, porque depois… ninguém sabe.
O medo não desaparece, mas ele muda de forma. Ele deixa de ser um monstro na escuridão e vira um lembrete suave: você está aqui, você está vivo. E isso, por si só, já é tudo.
O fruto não se desespera quando percebe que amadureceu. Ele não resiste, não se agarra ao galho com medo do fim, simplesmente solta.
Aceita a gravidade com a mesma calma com que aceitou o sol e a chuva. E cair, para ele, não é o fim — é continuidade. É semente voltando pra terra, é promessa de raiz, de sombra, de recomeço.
Mas a gente, diferente do fruto, aprendeu a temer o tempo. Tentamos segurar o que já está maduro, como se a beleza estivesse em durar, e não em completar. Como se viver fosse uma corrida contra o fim, e não um caminho até ele.
Talvez a vida seja mais sobre aceitar do que sobre controlar. E talvez a morte, esse mistério que tanto nos assusta, não seja ausência, mas transição, afinal o fruto não morre, ele se transforma.
Cada dia que passa não é um passo rumo ao fim. É um sinal de que você esteve aqui — inteiro, presente e vivo. Então, sejamos gratos pela vida.
Muito linda a escrita ♡
Essa texto me remete apenas a uma frase: Memento mori (Lembre-se que irá morrer).